Dr. Fábio Lucas Rodrigues, Dra. Marcella Coppini e Dr. Antonio Marcelo Gonçalves de Souza.-Foto Divulgação

O Hospital Estadual Mário Covas (HEMC), unidade de alta complexidade do Governo do Estado de São Paulo gerida pela Fundação do ABC, realizou neste janeiro a primeira cirurgia de osseointegração – também conhecida por implante intraósseo – da região metropolitana de São Paulo. O procedimento envolve a colocação de uma endoprótese em um paciente amputado que realiza tratamento na Rede de Reabilitação Lucy Montoro de Diadema, unidade também sob gestão da FUABC. Recém-chegada ao Brasil, a iniciativa marca um avanço significativo no tratamento de amputações nas regiões do fêmur e da tíbia.

 O paciente, de 21 anos, sofreu uma amputação em 2021 devido a um acidente. A endoprótese foi doada por uma empresa privada e permite a integração entre a prótese e o coto remanescente do membro inferior, oferecendo uma solução para aqueles pacientes que enfrentam dificuldades na adaptação das próteses convencionais. Este problema é frequentemente observado em amputações no fêmur, mas também pode ocorrer em casos de amputação da tíbia. Ocorre, entre outros fatores, em função da falta de firmeza e instabilidade da prótese, habitualmente sustentada pelo membro residual por meio do Liner, um revestimento em forma de capa protetora.

 No HEMC, a cirurgia foi conduzida pelo precursor da técnica no Brasil e chefe do Serviço de Ortopedia Oncológica do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), Dr. Antonio Marcelo Gonçalves de Souza, também mestre e doutor em cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O procedimento em 10 de janeiro teve participação de toda a equipe de Ortopedia do HEMC. “É um trabalho em conjunto, que cirurgiões não fazem sozinhos. É preciso constante suporte da equipe multidisciplinar composta por fisioterapeutas, enfermeiros, protesistas, fisiatras e psicólogos para garantir o sucesso do procedimento e o rígido cumprimento do protocolo de reabilitação pós-cirúrgico, que tem trazido amplo ganho de qualidade de vida ao paciente. Temos um futuro brilhante pela frente. Pouco a pouco, vamos divulgar a técnica pelo País para que mais pacientes tenham acesso”, disse o especialista.

 Segundo Souza, cerca de 50% dos pacientes que utilizam próteses convencionais não se adaptam ao equipamento e precisam de soluções alternativas. O paciente operado no HEMC foi o 13º no Brasil. As outras cirurgias foram realizadas em Recife, Belo Horizonte e Ribeirão Preto.

 A técnica de osseointegração consiste em criar uma união estável entre o osso e uma superfície de titânio, de modo que haja ancoragem suficiente do tecido ósseo para suportar uma carga funcional. “Essa neoformação óssea é algo incrível. O osso reage e se incorpora ao material implantado. Porém, o paciente precisa ter ciência de que vai conviver com um implante exteriorizado para o resto da vida. Sempre haverá risco de infecção, mas os benefícios são tamanhos que compensam todo o cuidado que é preciso ter com o estoma diariamente”, detalha Souza. A facilidade de manuseio e a ampla mobilidade rotacional e motora estão entre as principais vantagens pós-cirurgia. Quanto à assepsia, água e sabão são suficientes para manter o local esterilizado.

 ORIENTAÇÕES

Após o procedimento, Dr. Antonio de Souza comandou aula detalhada para médicos e enfermeiros da equipe de Ortopedia do HEMC. Dr. Fábio Lucas Rodrigues, ortopedista do HEMC e preceptor de ensino do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), coordenou a iniciativa após constatar, em colaboração com o Serviço de Reabilitação Lucy Montoro de Diadema –, a necessidade de tratamentos alternativos para pacientes que não se adaptam às próteses em razão de problemas de fixação.

 A bem-sucedida articulação entre os serviços gerenciados pela FUABC foi determinante para o sucesso da iniciativa. “Quando começamos a seleção do paciente, há seis meses, junto ao Lucy Montoro de Diadema, o procedimento só era realizado em pacientes oncológicos que passaram por remoções de tumores. E queríamos utilizar em pacientes pós-traumáticos, pois o número de casos é muito maior. Foi uma experiência muito interessante. Considerando a estrutura que uma cirurgia deste porte exige, o Hospital Mário Covas era o lugar ideal para recebermos essa técnica”, disse o ortopedista.

 O paciente operado no HEMC irá iniciar o protocolo de reabilitação na unidade do Lucy Montoro de Diadema nas próximas semanas e a expectativa é de que, em breve, possa voltar a andar. “Fizemos diversas revisões na prótese convencional do paciente, mas infelizmente ele não se adaptou e sofria com constantes lesões de pele. A equipe irá seguir o protocolo de reabilitação da osseointegração, dando toda a assistência necessária para que o paciente se adapte à endoprótese”, disse a coordenadora médica e fisiatra da Rede de Reabilitação Lucy Montoro de Diadema, Dra. Marcella Coppini.

 NOVIDADE

A técnica de implante intraósseo é relativamente nova e tem sido usada com mais frequência na Austrália. Mesmo para países como os Estados Unidos, representa uma abordagem inovadora na medicina ortopédica. Após longo período de testes, o procedimento foi aprovado para realização no Brasil em 2021, após autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 Trata-se não apenas da introdução de uma técnica pioneira no País, mas de um implante genuinamente brasileiro, fabricado no Brasil, o que implica em redução de custos e viabiliza um número maior de procedimentos. A cirurgia é baseada na experiência do próprio introdutor da técnica na área de Ortopedia, o sueco Rickard Branemark.

 Para ser apto ao procedimento o paciente precisa atender a alguns critérios, como não ter problemas vasculares, não ser fumante, não ter histórico de infecções recentes ou radioterapias, além de não possuir peso corporal superior a 110kg.

 Além do benefício direto ao paciente, o procedimento no Hospital Mário Covas é objeto de estudo acadêmico, com a equipe de Ortopedia do HEMC e a disciplina de Ortopedia e Traumatologia do Centro Universitário FMABC colaborando para a produção de um artigo científico. Publicações internacionais já destacam a melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes submetidos a este tratamento.

A cirurgia de osseointegração, sem custos para o hospital graças à doação da endoprótese, não apenas eleva o patamar de tratamentos realizados no HEMC, mas também estabelece um marco na medicina ortopédica da região, reforçando o compromisso da Fundação do ABC com a inovação médica e a excelência no cuidado aos pacientes.