Recém-publicado no Journal of Human Lactation, trabalho investigou impactos da Covid-19 na gestação e reforça evidências de que não há risco de transmissão da doença durante a amamentação. Foto: Divulgação/FMABC
Recém-publicado no Journal of Human Lactation, trabalho investigou impactos da Covid-19 na gestação e reforça evidências de que não há risco de transmissão da doença durante a amamentação. Foto: Divulgação/FMABC

Pesquisadores do Centro Universitário Saúde ABC / Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), em Santo André (SP), em parceria com o Hospital Municipal Universitário (HMU) de São Bernardo, estão desenvolvendo uma pesquisa para avaliar o impacto da infecção por Covid-19 na gestação, na saúde materna, no recém-nascido e nas práticas de aleitamento materno. Parte dos achados já foi publicada recentemente em uma das mais importantes revistas internacionais do mundo que tratam sobre amamentação, a Journal of Human Lactation.

A pesquisa avalia, entre outros fatores, a presença de anticorpos protetores contra a Covid-19, a imunoglobulina IgA, no leite materno das mulheres que tiveram a doença durante a gestação e/ou que a apresentaram no momento do parto. Trata-se de um dos primeiros relatos de caso no mundo que descrevem a presença precoce (no primeiro dia da amamentação) de anticorpos protetores contra a Covid-19 no leite materno.

Desde junho são acompanhadas mães que tiveram Covid-19 e que tiveram filhos nascidos no HMU-SBC. Em novembro, já são 201 duplas (mulheres e bebês) incluídas nesta avaliação. Todos os bebês estão em acompanhamento, apresentam bom quadro de saúde e não têm evidências de contágio da doença. Na análise preliminar dos dados, realizada com as amostras de colostro, – o primeiro leite produzido após o nascimento da criança –, foi possível identificar o anticorpo protetor para a Covid-19 (IgA Anti-Sars-Cov-2) em 34% das amostras.

Na pesquisa publicada, destaca-se o caso de uma gestante que deu entrada no HMU-SBC na fase aguda da doença e com quadro de síndrome gripal. Vale destacar que a unidade hospitalar adotou como protocolo, desde o início da pandemia, a ampla testagem de gestantes. O foco é evitar transmissões cruzadas e oferecer tratamento clínico adequado para mães e bebês a partir da adoção de protocolos específicos de prevenção e isolamento.

Horas após o parto, a criança permaneceu em aleitamento materno exclusivo e protegido da doença. O primeiro contato pele a pele entre mãe e filha se deu após o parto, em uma sala de isolamento na unidade de puerpério, sob rígidos protocolos de segurança. A dupla permaneceu em um quarto isolado no alojamento conjunto. A amamentação ocorria, sob forma de livre demanda, após a mãe higienizar as mãos com água e sabão e/ou álcool gel e com proteção de máscara cirúrgica. No momento da apojadura (processo inicial de preparo da mama para a produção de leite), a equipe integrante da pesquisa, devidamente paramentada e com o consentimento da puérpera, realizou a coleta da amostra do leite materno por meio de expressão manual para análise. A criança foi submetida aos exames para detecção da Covid-19 com uso de Swab, um cotonete mais comprido, via narina. Feitos com 24 e 48 horas de vida, ambos apresentaram resultado negativo.

Dra. Fabíola Suano de Souza

“Nenhum estudo disponível na literatura científica comprovou que a infecção por Covid-19 pode ser adquirida pela amamentação. Pelo contrário, com base nos dados coletados neste estudo, nossa hipótese é de que a amamentação seja fator protetor contra a Covid-19, assim como para combater o desenvolvimento de diversas outras doenças. Mamar transmite proteção para a criança, pois são anticorpos prontos. O colostro possui a maior concentração de imunoglobulina A, que age como um poderoso fator de defesa para o organismo do bebê. A amamentação continua sendo a primeira de todas as vacinas. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a amamentação deve ser mantida mesmo em mulheres que tiveram ou têm a doença”, explica a docente do departamento de Pediatria da FMABC, Dra. Fabíola Suano de Souza, que integra o estudo.

A mãe e o recém-nascido relatados no estudo receberam alta juntos, no sétimo dia pós-parto, sob orientação de manter a amamentação exclusiva com precauções de contato. A criança foi avaliada após a alta nos dias 10, 25, 45 e 90 de vida e não apresentou sintomas clínicos. Permaneceu em aleitamento materno exclusivo e apresentou desenvolvimento, crescimento e ganho de peso adequados. Já a mãe recuperou-se totalmente da infecção pela Covid-19.

DESDOBRAMENTOS

Todas as mães e bebês seguirão em acompanhamento pela equipe de Ginecologia/Obstetrícia e Neonatologia do hospital até as crianças completarem dois anos de idade. Os dados ainda preliminares que integram o monitoramento mais abrangente das 201 duplas de mães e recém-nascidos estão em fase final de consolidação para posterior divulgação. “Vamos divulgar todas as informações de forma estruturada para a comunidade científica nacional e internacional. Queremos fortalecer ainda mais a importância da amamentação como uma forma de proteção contra a infecção por Covid-19”, completa Dra. Fabíola.

A íntegra do artigo com o estudo de caso pode ser acessada no link https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0890334420960433.

Participam da pesquisa a Chefe do Serviço de Neonatologia do HMU-SBC, Dra. Cibele Wolf Lebrão, a docente do Departamento de Pediatria da FMABC, Dra. Fabíola Suano de Souza, o vice-reitor da FMABC, Dr. Fernando Luiz Affonso Fonseca, a nutricionista da FMABC, Letícia Veríssimo Dutra, a infectologista do HMU-SBC, Dra. Mariliza Henrique da Silva, a diretora-geral do HMU, Dra. Mônica Carneiro, além da médica residente em Pediatria da FMABC, Manuela Navarro Cruz.