Pesquisadores do Centro Universitário FMABC participam de pesquisa sobre doença cutânea que afeta habitantes da Floresta Amazônica. Foto: Divulgação
Pesquisadores do Centro Universitário FMABC participam de pesquisa sobre doença cutânea que afeta habitantes da Floresta Amazônica. Foto: Divulgação

Após 22 anos em andamento, uma pesquisa que investiga a doença amazônica lobomicose se aproxima de possíveis hipóteses de cura. Também conhecida como lacaziose, a lobomicose é uma doença causada por fungos encontrados em águas tropicais que causa lesões nodulares na pele e afeta principalmente os habitantes da Floresta Amazônica, como os seringueiros. No Brasil, não existe um programa de controle da doença e as falhas nas indicações de terapias são consideradas comuns. O objetivo principal do estudo é tornar a doença de notificação compulsória e, futuramente, disponibilizar o tratamento via Sistema Único de Saúde (SUS).

Dr. Gabriel Zorello Laporta. Foto: Divulgação/FMABC

Resultados do ensaio clínico randomizado foram publicados em novembro do ano passado na mais tradicional revista científica do mundo sobre Medicina Tropical, a “The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene”, com participação de dois pesquisadores científicos do Centro Universitário FMABC, de Santo André-SP: o biólogo e pós-doutor em Epidemiologia e Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), Dr. Gabriel Zorello Laporta, e a aluna de doutorado Franciely Gomes Gonçalves, mestre em Ciências da Saúde pela FMABC.

A lobomicose foi detectada em vários países latino-americanos, como Colômbia, Suriname, Venezuela, Panamá, Costa Rica, Bolívia, México, entre outros. No entanto, o Brasil tem o maior proporção de casos, chegando a 70% dos cerca de 500 registrados na região amazônica até o momento. Ao todo, participaram do estudo 103 pacientes, posteriormente divididos em três grupos. Dois receberam diferentes combinações de medicamentos e o terceiro não foi submetido ao tratamento completo. Os resultados indicaram uma probabilidade significativamente maior de cura a partir do uso de poliquimioterapia (associação de medicamentos) indicada para casos de hanseníase, doença infecciosa conhecida popularmente como lepra. O tratamento com terapia de múltiplas drogas resultou na cura de 20 de 80 pacientes tratados, ou 25%. Em geral, os grupos foram acompanhados durante quatro anos, com tratamento medicamentoso, e mais dois anos após a conclusão do tratamento. Pacientes de todos os grupos foram submetidos a procedimentos cirúrgicos para extração das lesões, com posterior acompanhamento.

Em cada fase da pesquisa, as lesões eram fotografadas e passavam por biópsias. Durante o período do ensaio clínico, os pacientes apresentaram redução ou cessação da sensação de coceira (prurido), atrofia das lesões com diminuição do número de fungos, e até a cura, caracterizada pela remissão completa das lesões sem recidiva por dois anos após o término tratamento. A pesquisa foi conduzida pelo Serviço de Dermatologia da Secretaria de Estado da Saúde do Acre (Sesacre), onde moram os pacientes. A íntegra do estudo está disponível no link: http://www.ajtmh.org/content/journals/10.4269/ajtmh.20-0090.

Franciely Gomes Gonçalves. Foto: Divulgação/FMABC

HISTÓRICO

A aluna Franciely Gomes Gonçalves, uma das autoras da pesquisa, é egressa do “Projeto Acre – Saúde na Amazônia Ocidental”, que tem como coordenadores acadêmicos o professor assistente da FMABC, Dr. Luiz Carlos de Abreu, além do Dr. Gabriel Zorello Laporta. A parceria é oriunda do convênio entre FMABC, Secretaria de Estado da Saúde do Acre (Sesacre) e a Universidade Federal do Acre (UFAC) e envolve o custeio para formação de 30 mestres e 10 doutores. 

“Este estudo faz parte da tese de Franciely, que está cursando o doutoramento na FMABC, e conta a história de vida do médico irlandês William John Woods, que teve o insight sobre a cura da lobomicose. O ensaio clínico foi montado para servir como prova de conceito da terapêutica. Agora, o tratamento poderá estar disponível pelo SUS para atendimento da população atingida”, explica Laporta, que completa: “Tem sido um privilégio poder cumprir as atividades acadêmicas do convênio entre FMABC e Secretaria de Estado da Saúde do Acre na formação de mestres e doutores do Estado. Como coordenador acadêmico, junto ao professor Luiz Carlos de Abreu, já formamos cinco doutores e 25 mestres até o momento”, detalha o pesquisador. A parceria FMABC-Sesacre-UFAC teve início em 2015, quando foi publicada no Diário Oficial do Estado do Acre. O objetivo é formar novos professores e pesquisadores na área de Ciências da Saúde do Acre e fortalecer o ensino, a pesquisa e a extensão universitária na região do Juruá.

REFERÊNCIA

Historicamente, o precursor do trabalho de pesquisa sobre a lobomicose é o médico irlandês William John Woods, radicado há 40 anos em Rio Branco, capital do Acre. Ele cursou, durante décadas, todos os rios acreanos e afluentes, acompanhado de profissionais da saúde pública para identificar casos de hanseníase e realizar o controle da doença em todo o Estado. Seu foco é tratar especialmente de doenças tropicais negligenciadas. Por este trabalho, foi reconhecido pela Rainha Elizabeth, da Inglaterra, com o título “Sir” de Cavaleiro da Ordem do Império Britânico. Também acumula o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade Federal do Acre (UFAC).