A equipe da UTI Neonatal do Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, celebrou nesta semana o Novembro Roxo, mês dedicado à conscientização sobre a prematuridade. A iniciativa, que reuniu cerca de 20 profissionais de saúde da instituição em seu primeiro turno, combinou ciência, técnica e humanização ao apresentar um caso clínico de superação e promover uma experiência imersiva sobre os desafios enfrentados por bebês prematuros.
No Brasil, a prematuridade atinge aproximadamente 340 mil nascimentos por ano, segundo dados do Ministério da Saúde. Bebês que nascem antes de 37 semanas de gestação enfrentam riscos aumentados de complicações, exigindo cuidados especializados em unidades neonatais de alta complexidade como a do Hospital Mário Covas, que possui certificação internacional Qmentum nível Diamante.
O evento em 24 de novembro teve como tema central “Garanta aos prematuros começos saudáveis para futuros brilhantes”, como preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para 2025, e foi estruturado em torno do relato de um caso clínico excepcional: uma paciente que permaneceu internada por quase dois anos na UTI Neonatal, enfrentando complicações graves decorrentes da síndrome de Berdon, condição rara que causa obstrução intestinal crônica.
HISTÓRIAS DA NEO
Priscila Ruiz, coordenadora de enfermagem das unidades infantis do Hospital Mário Covas, abriu o encontro destacando a dimensão humana do cuidado neonatal. “Trabalhar em uma UTI Neonatal é testemunhar diariamente o extraordinário”, afirmou. “É ver a ciência salvar, é ver o cuidado transformar, é ver o amor sustentar. É olhar para dentro de uma incubadora e enxergar ali o universo inteiro pulsando, mesmo quando tudo parece ser tão frágil.”
A coordenadora enfatizou que o evento existe para honrar as histórias dos pacientes, mas também para lembrar que a prematuridade não é um caminho que ninguém percorre sozinho. “As famílias enfrentam medos, inseguranças e incertezas que só quem vive na UTI Neonatal consegue realmente compreender”, disse.
O caso apresentado ilustrou os desafios do trabalho multidisciplinar em neonatologia. A paciente, nascida com 36 semanas de gestação e 2,4 kg, foi transferida para o Hospital Mário Covas em dezembro de 2023 e enfrentou múltiplas complicações ao longo da internação, incluindo sete cirurgias, seis episódios de infecção e necessidade de mais de 20 acessos venosos ao longo do tratamento.
Um dos momentos mais críticos ocorreu em janeiro de 2024, quando a paciente sofreu uma hemorragia que mobilizou toda a equipe. As enfermeiras Iracema Kanashiro de Lima e Maria Joseandra da Silva Rego, da UTI Neonatal, relataram a gravidade da situação. “Essa hemorragia digestiva maciça foi uma coisa muito impressionante”, recordou Iracema. “Foi muito importante tanto a equipe médica quanto a da enfermagem realizar os procedimentos muito rapidamente para conter o sangramento”, complementou Joseandra. “Houve um momento em que o pessoal falou: ‘vamos perder essa criança hoje’, mas a resposta coordenada da equipe salvou a vida da paciente”, finalizou Iracema, sobre a aflição do traumático episódio.
NA PELE DE UM PREMATURO
Além do relato clínico, o evento incluiu uma sessão de imersão sensorial conduzida pela equipe de Neonatologia. Os presentes foram vendados e experimentaram as várias sensações a que os prematuros são submetidos: o friozinho do álcool evaporando no bracinho; o colar e descolar de um esparadrapo sobre a pele fina; um perfume forte que transgride as regras da UTI Neonatal; o barulho seco de passos e o tinir de instrumentos que se amplificam no silêncio da incubadora, onde a trilha sonora é o expandir dos respiradores e o bipe dos aparelhos.
A fisioterapeuta Mayara de Souza Matsumoto explicou como estímulos ambientais influenciam o desenvolvimento dos que vêm ao mundo antes da hora. “Um prematuro já tem risco de vida. Esse é o primeiro ponto”, disse a profissional. “Tudo isso se agrava se é um prematuro extremo ou de baixo peso”, destacou, reforçando a importância de criar um ambiente adequado na UTI.
Segundo Matsumoto, fatores como luminosidade excessiva, sons altos e manipulação inadequada podem comprometer o desenvolvimento neurológico dos bebês. “As vozes têm que ser baixas, ou, pelo menos, a ideia é que a gente fale mais baixo, que tenha um som mais tranquilo. O alarme de incubadora, monitor, também tem que estar tudo muito mais baixo. A intensidade não pode estar muito elevada. Por quê? Porque isso altera o desenvolvimento da criança”, explicou.
UM MUNDO EXTRAORDINÁRIO
O coordenador médico da UTI Neonatal, Dr. Luis Fernando Delgadillo Trigo, apresentou a teoria síncrono-ativa, abordagem que orienta o cuidado aos prematuros com base em cinco subsistemas: autônomo (sinais vitais), motor (postura e movimentos), estados comportamentais (sono e vigília), atenção (capacidade de interagir) e regulador (que integra os demais).
O pediatra também deu conselhos para não estressar os prematuros. “O bebê não gosta que seja auscultado por um estetoscópio gelado. Coloca o instrumento dentro da incubadora por algum tempo, e só depois começa a auscultar”, explicou o médico, destacando a importância de respeitar cada um deles durante o cuidado.
A enfermeira Jaqueline Roberta Garcia dos Santos, da Educação Continuada, apresentou equipamentos utilizados na UTI Neonatal, incluindo banheiras tão pequenas que a palma da mão de um adulto já ocuparia quase todo o espaço, demonstrando na prática como nesse universo dos prematuros os objetos parecem mais como brinquedos, de tão diminutos que são.
A história da paciente teve um desfecho positivo que emocionou a equipe. Após quase dois anos de internação, ela recebeu alta hospitalar em outubro de 2025, podendo, finalmente, viver em casa com a família, sob acompanhamento ambulatorial. Durante a internação, a equipe chegou a organizar uma festa de primeiro aniversário dentro da UTI, fortalecendo os vínculos afetivos entre profissionais, paciente e família. “Foi uma coisa muito emocionante, chegar lá e ver a menina passeando na rua”, relembrou a enfermeira Iracema de quando visitou a paciente na casa dela, em meados de novembro.
VALOR DA UNIÃO
Fabiana Sabino, coordenadora da Educação Continuada, falou sobre o evento e a união da equipe multidisciplinar. “Eu sou mãe de um prematuro. Então, essa é uma causa que eu sempre vou defender. Boas equipes são forjadas com muita dedicação, trabalho e conhecimento, mas, acima de tudo, são pautadas no amor pelo que fazem”, destacou.
O evento foi realizado em três horários nos dias 24 e 25 de novembro, a fim de alcançar o máximo de público da equipe multidisciplinar do hospital, reforçando o compromisso da instituição com a excelência técnica aliada à humanização do cuidado. A iniciativa do Novembro Roxo no hospital demonstra que o cuidado neonatal vai além dos procedimentos técnicos, integrando conhecimento científico, habilidade profissional e sensibilidade humana para garantir não apenas a sobrevivência, mas o desenvolvimento pleno de cada recém-nascido prematuro.



















