Segunda matéria da série especial Vidas Negras, Vínculos Vivos destaca o trabalho da orientadora educacional que transforma o debate sobre diversidade em prática pedagógica nas escolas de Ribeirão Pires Foto: Rafael Costa (PMETRP)

No Mês da Consciência Negra, Ribeirão Pires segue com a série especial Vidas Negras, Vínculos Vivos, que apresenta histórias de pessoas que fazem da luta por igualdade racial uma missão cotidiana. A iniciativa integra a programação organizada pela Secretaria de Assistência, Participação e Inclusão Social, em parceria com outras pastas municipais, reforçando o compromisso da Prefeitura com a valorização da cultura afro-brasileira e a promoção da equidade.

A segunda personagem da série é Valquíria dos Santos Mendes Servilha, orientadora educacional da Secretaria de Educação de Ribeirão Pires. Com mais de uma década de atuação na Educação Especializada, Valquíria tem contribuído para transformar a maneira como a rede municipal aborda temas como diversidade, identidade e inclusão.

“Trabalhar na educação especializada me permitiu compreender as singularidades de cada estudante. Inclusão vai muito além de barreiras físicas ou curriculares — trata-se de reconhecer as múltiplas identidades que convivem dentro das escolas”, explica Valquíria.

Formação para transformar – Em 2022, junto à orientadora Tatiane Ribeiro, Valquíria idealizou um projeto pioneiro para discutir temas étnico-raciais na rede municipal. A iniciativa nasceu da constatação de que, apesar de a Lei 10.639/2003 — que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira — já estar em vigor há quase duas décadas, o tema ainda era trabalhado de forma pontual, concentrado no mês de novembro.

“Percebemos que a lei existia, mas era aplicada de modo muito simplista. Era preciso mudar a lógica, sair do ‘mês da Consciência Negra’ e fazer disso um trabalho permanente”, relembra. O movimento começou com rodas de conversa voluntárias entre gestores e professores, criando espaços de reflexão e troca de experiências sobre práticas pedagógicas antirracistas.

O desafio inicial, segundo Valquíria, pode ser considerado não só do município, mas a nível de Brasil, que é ainda lidar com a resistência ao tema. “Algumas pessoas ainda veem as questões raciais como algo sensível ou secundário. “É compreensível” — quem nunca viveu o racismo tende a não entender a urgência de se falar sobre ele. Mas é justamente por isso que a educação precisa assumir esse papel formativo.”

Encontros Formativos: multiplicando saberes – A partir desse primeiro passo, a ação cresceu. Em 2025, a Secretaria de Educação implantou um ciclo ampliado de Encontros Formativos – Etnosaberes – Formação continuada em Educação para as Relações Étnicos-Raciais, com carga horária estendida e foco na capacitação dos coordenadores pedagógicos — responsáveis por multiplicar o conhecimento nas escolas.

“A estratégia foi levar o debate a quem forma os formadores. Os coordenadores participam das formações e replicam o conteúdo nos encontros com professores. Isso acelerou o alcance e aprofundou o diálogo”, explica Valquíria. Além disso, cursos noturnos foram oferecidos para docentes que não conseguiam participar no contraturno, ampliando a adesão.

Os resultados já são perceptíveis: “Hoje vemos uma intencionalidade muito maior. A linguagem mudou, as atitudes mudaram. Professores trazem a negritude para o cotidiano da sala de aula, dentro dos conteúdos, e não apenas em novembro. Isso é um avanço enorme.”

Materiais pedagógicos e práticas culturais – As formações resultaram também na criação de materiais pedagógicos autorais, como apostilas e roteiros de atividades que reúnem leituras, artigos e vídeos sobre a temática. “Queríamos dar ao professor instrumentos para refletir e agir. O material serve tanto como suporte teórico quanto prático, orientando como aplicar o tema em cada contexto escolar”, comentou.

Nas escolas da rede municipal, o reflexo é visível: murais, projetos culturais, leituras de autores negros e até aulas de capoeira nas turmas da Educação Infantil — atividades que reafirmam a negritude como expressão de humanidade e pertencimento. “Afirmar a negritude é afirmar a humanidade. Quando a escola faz isso, transforma discurso em prática”, destaca Valquíria.

Educação como ferramenta de emancipação – Para a orientadora, o maior desafio ainda é garantir que o tema esteja inserido de forma efetiva e contínua nos currículos e nas formações permanentes dos educadores. “Não pode ficar no papel. É preciso que a igualdade racial seja um princípio estruturante do trabalho pedagógico o ano inteiro.”

Ela reforça que a escola é o espaço onde a mudança começa: “É na escola que o poder criativo acontece. Quando ensinamos que a história do povo negro não começa na escravidão, mas em reinos, cultura e saberes, formamos cidadãos que se reconhecem e se orgulham de quem são.”

Para Valquíria, reconhecer e respeitar a identidade negra é um ato de justiça e amor coletivo. “Nós, educadores, estamos aqui para ensinar a pensar com liberdade — a liberdade de ser quem somos e de respeitar nossas múltiplas identidades. Esse é o verdadeiro sentido da educação.”

A campanha municipal da Consciência Negra 2025 tem como tema “Vidas Negras, Vínculos Vivos”, e reforça o compromisso da Prefeitura de Ribeirão Pires com a valorização da história afro-brasileira, o combate ao racismo e a construção de uma cidade mais justa, plural e inclusiva.