A oncologia intervencionista vem transformando a forma como pacientes com tumores em órgãos como fígado e pâncreas são tratados no Brasil. À frente de alguns dos principais avanços está o radiologista intervencionista Dr. Luiz Tenório Siqueira, que coordena a área na Rede D’Or e acumula pioneirismo, como o primeiro tratamento de câncer de pâncreas com eletroporação irreversível (Nanoknife) no país, realizado em 2020.

Em entrevista, o especialista destacou como as técnicas minimamente invasivas estão se consolidando como alternativa eficaz e menos agressiva em comparação às cirurgias convencionais. Confira a entrevista completa:

Dr. Luiz Tenório Siqueira, o senhor tem uma vasta experiência em oncologia intervencionista. Pode explicar o que são as cirurgias minimamente invasivas e como elas se aplicam ao tratamento de tumores de fígado, pâncreas e outros órgãos?

“Cirurgias minimamente invasivas abrangem um espectro amplo que vai desde cirurgias laparoscópicas, robóticas e por fim, as guiadas por tomografia e ultrassonografia – que são as menos invasivas dentro deste espectro. Hoje sabe-se que pequenos tumores ou metástases no fígado e rim (menores que 3,0 cm) podem ser tratadas por ablação guiada por tomografia com a mesma taxa de cura das cirurgias convencionais ou robóticas, porém com menos complicações como sangramento, dores, tempos longos de recuperação ou internação e mesmo óbito. Por isso, tem se tornado a primeira escolha para pequenos tumores. No pâncreas, é diferente. Pode-se tratar os tumores mais avançados – que não podem ser operados – podem ser tratados com eletroporação guiada por CT.”

Em 2020, o senhor realizou o primeiro tratamento de câncer de pâncreas localmente avançado com a Técnica de Eletroporação Irreversível (Nanoknife) no Brasil. Como funciona essa técnica e quais são as vantagens para os pacientes em comparação com abordagens tradicionais?

“Essa técnica, aplica-se chiques de 3000 volts no tumor fazendo com que os poros das células se ampliem de forma irreversível, levando a célula tumoral a morte por apoptose. Essa técnica permite que tumores não operáveis possam ser tratados, visando substituir a cirurgia para os tumores localmente avançados.”

O senhor foi premiado em 2022, em Monte Carlo, por seu trabalho inovador na área de tratamentos de doenças do fígado e pâncreas. Quais inovações no campo das intervenções por imagem têm sido mais impactantes nos últimos anos?

“Na área de oncologia intervencionista, há tratamentos intra-arteriais, ablações (quando se queima, congela ou eletrifica os tumores) proporcionando tratamento para pacientes que não estão respondo aos tratamentos iniciais.”

O câncer de pâncreas tem sido associado a um prognóstico muito grave. Em sua experiência, como as técnicas de oncologia intervencionista têm melhorado as taxas de sobrevida para esses pacientes, especialmente com o uso de tratamentos como o Nanoknife?

“O câncer de pâncreas segue sendo um dos mais agressivos. Os estudos que envolvem eletroporação com nanoknife nos cuidados do paciente com câncer de pâncreas indicam em média um ganho de sobrevida aproximadamente 1 ano gente aos pacientes com tumores irressecáveis que são tratados somente com quimio e radioterapia.”

Estudos recentes indicam que mais pessoas estão sendo diagnosticadas com câncer em idades mais jovens. O que o senhor acredita que esteja contribuindo para essa mudança na faixa etária de diagnóstico? Uma pesquisa da Associação Americana de Câncer (American Cancer Society) aponta que, entre 2000 e 2016, as taxas de câncer em pessoas com menos de 50 anos aumentaram em 2% anualmente. Como o senhor vê essa tendência?

“Essa tendência existe. Em parte pelo maior número de exames que se faz, mas não parece ser só isso. Hoje acredita-se que algo na mudança do estilo de vida e na alimentação com alimentos industrializados (micro plásticos por exemplo) podem explicar esse aumento.”

O aumento do diagnóstico precoce é um fator importante no tratamento do câncer. Quais avanços na tecnologia de imagem o senhor acredita que têm sido fundamentais para a detecção de cânceres em estágios iniciais?

“A população está mais instruída e procurando fazer check-up com exames anuais a partir dos 40 anos. Esse aumento da importância do check-up e do acesso a exames de diagnóstico possibilitou fazermos diagnósticos mais precoces.”

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os fatores ambientais, dietéticos e até comportamentais têm influenciado o aumento do número de casos de câncer. Na sua prática, quais fatores de risco o senhor considera mais críticos, especialmente para pacientes mais jovens?

“Acredito que o estilo de vida influencia bastante. Se manter no peso, fazer uma dieta equilibrada e praticar atividades físicas com constância são fatores importantes. Além disso, fazer um check-up anual e manter a agenda de vacinas atualizada.”

Sabemos que o tratamento do câncer de fígado pode ser desafiador. Em sua prática, como as técnicas de radiologia intervencionista, como a embolização ou ablação por radiofrequência, têm se mostrado eficazes no tratamento de tumores hepáticos? Quais os benefícios para o paciente?

“No câncer de fígado, temos muitas alternativas recentes melhorando o tratamento destes tumores. Pode-se destacar as ablações por micro-ondas e a Radio embolização. Esses tratamentos possibilitam pacientes chegarem ao transplante ou mesmo tratar de forma curativa os tumores quando indicado. Vale destacar a importância do transplante pois seria o tratamento não somente do câncer mas também da disfunção hepática e chance de novos tumores que os pacientes muitas vezes apresentam.”

Em sua experiência na coordenação da Oncologia Intervencionista da Rede D’Or, o senhor percebe uma mudança no perfil dos pacientes que buscam esses tratamentos? O senhor poderia compartilhar algum caso que o tenha marcado ao longo de sua carreira?

“Não diria mudança de perfil. Acredito que os tratamentos guiados por imagem estão sendo “descobertos” pelos pacientes. Talvez um caso que me marcou bastante foi um paciente com câncer de pâncreas irressecável que foi tratado com eletroporação há mais de 3 anos e segue sem evidência de doença, com excelente qualidade de vida e sem necessidade de quimioterapia.”

Por fim, com o avanço das tecnologias de tratamento e imagem, como o senhor vê o futuro da oncologia intervencionista nos próximos 5 a 10 anos? Quais são as próximas fronteiras que os médicos e pesquisadores devem explorar no combate ao câncer?

“Eu espero que a população entenda os benefícios da tecnologia dos tratamentos guiados por tomografia e ultrassonografia trazem. Importante a conscientização para que os pacientes procurem ativamente os radiologistas intervencionistas para verificar se seriam ou não candidatos a tratamentos menos acessíveis e igualmente eficazes a grandes cirurgias. A tendência seria termos uma associação de imunoterapia a métodos de tratamento guiado por imagem, como eletroporação.”



Dr. Luiz Tenório Siqueira

CRM 108299 | SP / RQE 71159

Graduado em medicina pela universidade de São Paulo em 2002 e residência médica em radiologia e diagnóstico por imagem no hospital das clínicas da universidade de São Paulo em 2006.

Especialização (clínica fellowship) em imagem do Abdome e radiologia intervencionista no Massachusetts general hospital – Harvard medical School em Boston, USA entre 2008 e 2010.

Foi médico assistente no setor de Oncologia Intervencionista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP entre 2010 e 2013.

Exerceu Oncologia intervencionista e diagnóstico por imagem nos hospitais Sírio Libanês e Hospital Nossa Senhora das Graças de Presidente Prudente.

Em 2018, passou a coordenar a Oncologia Intervencionista da Rede D’Or em São Paulo. Função que exerce até hoje.