A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente Reclamação apresentada pelo Departamento Jurídico da Fundação do ABC (FUABC) e cassou decisões proferidas pelo Juízo da 1ª Vara Cível do Foro de Praia Grande e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que bloqueavam cerca de R$ 7 milhões das contas da entidade. Com placar de 4×1, o STF ratificou a tese dos advogados da FUABC de que verbas públicas da Saúde não podem ser objeto de bloqueio judicial.
Inicialmente, o Juízo de Praia Grande decidiu pela penhora de ativos financeiros nas contas da FUABC, que alcançaram aproximadamente R$ 23 milhões. Por sua vez, o TJSP determinou a manutenção parcial do bloqueio, com liberação imediata de 70% e constrição de 30% dos valores até o julgamento do recurso, ou seja, algo em torno de R$ 6,9 milhões.
A petição inicial da FUABC (RCL 49140) foi protocolada no STF em agosto de 2021 pelos advogados Sandro Tavares e Luanderson da Silva Neves, sob a tese da impenhorabilidade de verbas destinadas à Saúde Pública, com base em duas decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal: as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 484 e 664.
A sessão do Supremo Tribunal Federal que legitimou o posicionamento da FUABC ocorreu em 26 de abril. “A decisão de Praia Grande e a manutenção parcial de 30% do bloqueio pelo TJSP afrontam um tema já pacificado em decisões anteriores do STF sobre a impenhorabilidade de valores em contas vinculadas ao recebimento de recursos públicos. A procedência da Reclamação não é uma vitória somente da Fundação do ABC, mas de todo o sistema de Saúde e das organizações sociais, que passam a ter maior segurança jurídica para a prestação de suas atividades essenciais”, comemora o gerente corporativo Jurídico da FUABC, Sandro Tavares.
A ministra Rosa Weber foi a única a votar pelo não provimento do agravo. Logo na sequência do julgamento, o ministro Dias Toffoli divergiu. “No julgamento da ADPF 484, a Corte reconheceu que as verbas públicas recebidas por entidades privadas sem fins lucrativos, responsáveis pela gestão e execução de serviços públicos de cunho social, não podem ser objeto de bloqueio, penhora ou sequestro”.
O ministro também citou o julgamento da ADPF 664. “O Plenário referendou a suspensão da eficácia das decisões judiciais que determinaram a constrição de verbas públicas oriundas do Fundo Estadual de Saúde em contas vinculadas a contratos de gestão ou termos de parceria para a execução de ações de Saúde Pública”.
Toffoli julgou procedente a Reclamação da FUABC para fins de cassação das decisões do Juízo de Praia Grande e do TJSP. O ministro ressaltou que as decisões das instâncias anteriores entenderam que se tratava de “penhora de faturamento” e discordou: “Entendo que a ordem de bloqueio de valores contra a Organização Social que atua na área de Saúde, sem a discriminação das contas sobre as quais recairão sua execução, vai de encontro à tese que orienta o impedimento vinculante do Supremo, indicado como paradigma, qual seja, impedir o bloqueio de recursos em conta afeita exclusivamente ao repasse de contas públicas, com destinação vinculada constitucionalmente”.
O magistrado finalizou destacando que a decisão de bloqueio de recursos deveria ocorrer somente “na identificação de contas da referida entidade, contas essas que não estejam vinculadas ao repasse de verbas públicas da Secretaria de Estado da Saúde, o que não ocorreu, ao meu sentir, na hipótese dos autos”.
Terceiro a votar, o ministro Alexandre de Moraes também foi favorável à Reclamação da FUABC. “Qual a origem desses bloqueios? Recursos públicos recebidos da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo em razão de contratos de gestão celebrados com vistas a operacionalização e execução de atividades e serviços em unidades de saúde. O dinheiro destinado é para a Saúde Pública. A constrição desses valores por decisão judicial simplesmente vai impedir, vai diminuir 30% (decisão do TJSP), pelo menos, a prestação de serviços de saúde pública. Mais do que isso, é um dinheiro carimbado. Um dinheiro previsto no orçamento e por isso que entendo que feriu todos os precedentes anteriormente citados no meu voto”.
O ministro Roberto Barroso entendeu que se trata do bloqueio de verbas que a Secretaria de Saúde destinou para uma organização social que presta serviços de saúde. “Os precedentes que nós estabelecemos nas ADPFs 484 e 664 impedem esse tipo de constrição sobre verba destina a organizações sociais, sobretudo as que atuam na área da Saúde”. O magistrado decidiu por “julgar procedente a Reclamação, cassar a decisão reclamada e determinar que outra seja proferida em observância ao entendimento dessa Corte”.
Por fim, a ministra Cármen Lúcia também julgou a procedência da Reclamação: “Não consegui ver a clareza dos dados de que a parte que se manteve sob bloqueio (30%) fosse não sujeita a prestação do serviço público, mas, especialmente, que tivesse uma outra natureza que não aquela determinante do impedimento do bloqueio. Por essa razão eu também voto no sentido de prover o agravo e julgar procedente a Reclamação”.