“Fazer muitas coisas com uma coisa só” é um recorte generoso de duas décadas de uma produção artística pautada na repetição do gesto e na conceptualização do labor, da artista Cristina Suzuki que abre em 29 de junho na Pinacoteca de São Bernardo do Campo. Sob curadoria de Paula Borghi, cerca de 14 trabalhos que contam com 189 peças estarão reunidas na mostra, cujo projeto foi contemplado no edital ProAC 12/2023 artes visuais/produção de exposição inédita e teve apoio do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas. Cristina comemora: “Esta exposição está para além de uma celebração de 20 anos de produção artística. É também para pontuar todo este tempo de construção da minha atuação como artista e agente no circuito, na constante descoberta de formas de exercitar esta atuação.”
As obras de Cristina, realizadas em técnicas variadas como gravura, carimbo, fotografia, vídeo, instalação e objeto, representam e dimensionam a força de trabalho da artista, em uma clara referência sobre a luta de classes, amplamente discutida pelo filósofo Karl Marx (1808 – 1883) com atualizações fundamentadas pelo pensamento feminista de Silvia Federici (1942), como explica a curadora Paula Borghi. “Acredita-se que ir por este caminho é a melhor forma de contextualizar a presença da repetição do gesto da artista em sua prática, que pode ser comentado pelo viés da persistência de fazer arte, de acompanhar os avanços tecnológicos dos meios de produção e da força de trabalho da artista mulher em sua dupla jornada de trabalho (casa e ateliê) que dificilmente, para não dizer nunca, é reconhecida em pé de igualdade com o gênero masculino. De um gesto que faz muitas coisas com uma coisa só.”
Uma parte da exposição nasce das origens de Suzuki que, ao viver e trabalhar em Santo André desde 1999, região industrial que compõe o ABC Paulista e bastante marcada pelo movimento sindicalista metalúrgico, teve historicamente movimentos que lhe permitiu conviver com a realidade da classe trabalhadora na qual o ‘ser’ produtivo significa sobretudo ser explorado, uma vez que a produtividade só beneficia quem detém os meios de produção. “Volte sempre”, “Agradecemos a preferência” e “Servimos bem para servir sempre” são algumas das obras cujos lemas são bandeiras que a artista levanta como uma forma de protesto ao mercado da arte que, em sua visão, se apropria e explora os meios de produção artísticos na qual seus ‘operários’ não assalariados e consequentemente sem direitos trabalhistas é, ao mesmo tempo, a única opção para artistas sobreviverem. Desse modo, “o mercado da arte se apresenta, cada vez mais, como única opção para artistas sobreviverem, ironizá-lo parece ser a melhor forma de se posicionar sem travar uma quebra de braços”, pontua Paula.
Outra obra que merece atenção dentro desse contexto é “Lugar de ser feliz não é supermercado”. Um vídeo produzido em 2015 que poderia ser facilmente interpretado pela frase “lugar de artista ser feliz não é feira de arte”, uma vez que este é um ambiente extremamente competitivo como todo mercado, independentemente de seu produto. A produção de Cristina é extensa e reflexiva ao trazer à tona outro questionamento, mas ainda ligado à problemática das estruturas capitalistas: o tempo. Pautado na relação entre o ‘antigo’ e o ‘atual’, o tempo se faz presente nos meios técnicos eleitos pela artista, como nas obras produzidas com diferentes tipos de produção fotográfica. Em ordem cronológica foram usados os seguintes aparatos para as respectivas obras: câmera fotográfica analógica e digital cybershot para “Portrait”; câmera do aparelho celular para “Fotocelular” e câmera digital profissional para “Coleção de Verão para Panos de Chão”. É possível notar a velocidade em que se atualiza a tecnologia da imagem num curto período de tempo, 2005 até 2016, bem como a velocidade com que se produzem, se consomem e se tornam obsoletos os meios de produção.
Obras ‘incansáveis’, como no vídeo “Aceite” na qual com uma mão a artista carimba sucessivamente em seu próprio peito a palavra aceito, enquanto a outra a apaga até chegar ao ponto em que a palavra marcada no peito é submergida por uma grande massa azul própria da tinta do carimbo, se propõem persistir até a ‘destruição’ da relação entre acumulação capitalista e exploração da classe trabalhadora. E, com esse mesmo raciocínio, percebe-se a analogia do ‘não’ reconhecimento financeiro frente à importância do trabalho doméstico que pode ser notado na série “Coleção de Verão para Panos de Chão”, 2016, em que panos de chão são ampliados 40% maior que a escala real e inseridos num suporte de metacrilato. Essa criação faz “com que algo ordinário se torne glamoroso. Metaforicamente é possível dizer que esta série alude ao trabalho periódico da limpeza, que por mais invisibilizado que seja – ‘principalmente o da dona de casa’ -, é fundamental para manter tanto os meios de produção numa fábrica, por exemplo, como o bom funcionamento da casa e de espaços comerciais”, finaliza Paula Borghi.
Cristina Suzuki
Formada pelas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – Santo André, SP, pesquisa padrões de diferentes naturezas, possibilidades de reprodutibilidade e alternativas de “pulverização” do trabalho de arte, utilizando gravuras, fotografias, objetos, instalações, desenhos digitais e vídeos.
SERVIÇO
Exposição “Fazer muitas coisas com uma coisa só”
Curadoria de Paula Borghi
Local: Pinacoteca de São Bernardo do Campo
Endereço: Rua Kara, 105 – Jardim do Mar – São Bernardo do Campo – SP
Telefone: 11 2630-9600
Abertura: 29 de junho 2024 – das 14h às 18h
Período expositivo: 29 de junho a 04 de outubro
Horário de funcionamento: Terça – 9h às 20h | Quarta a sexta – 9h às 17h | Último sábado do mês – 10h às 16h